terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Idosos


Desde o início do meu trabalho em hospital, os setores pelos quais passei mais frequentemente admitem idosos, fazendo com que, inevitavelmente, eu desenvolvesse grande apreço por eles. A partir de então o meu pensamento e minha maneira de agir relacionada aos pertencentes da “melhor idade” transformou-se completamente – não que eu os ofendesse, mas também não julgava que necessitassem de tratamento tão especial quanto anunciavam.
Com o decorrer dos anos, as pessoas que alcançam a terceira idade adquirem alterações físicas e a redução de suas propriedades organolépticas e neurológicas, resultando em um convívio social limitado. Dependendo da patologia instalada, serão aos poucos confinados em seu próprio leito – restrição essa que não tenho nem ideia do quão ruim possa ser. Essa é uma evolução natural do ser humano, devendo ser compreendida pelos familiares e, estes, tendo por obrigação moral retribuir os cuidados e afetos obtidos durante todo o seu desenvolvimento até a vida adulta.
Em se tratando do idoso como um ser social, são várias as injustiças pelas quais são coagidos a enfrentar: muitos sofrem maltratos por vezes decorrentes de deus próprios familiares, vítimas de uma assistência básica precária, abandonos em casas de apoio ou até mesmo nas ruas, longas filas constituídas por adolescentes mal educados e, a mais perturbante: muitos deles vão à óbito antes mesmo de usufruir da tão sonhada aposentadoria. Tanto que contribuíram para o desenvolvimento social e quando a idade avança mais rápido que a agilidade de raciocínio, são pressionados à continuar trabalhando, sem direito ao repouso. Essa atitude acarreta na aceleração do desgaste físico e psicológico, podendo anteceder a morte. A situação consegue ser ainda pior quando o idoso é tratado como paciente, pois a tentativa de controlar a sua moradia ou força-los a prorrogar o tempo de trabalho torna-se insignificante comparado ao infeliz costume de certos “profissionais” tentarem delimitar o período de vida que eles podem desfrutar. Fundamentando melhor, o clássico “idoso já viveu demais” ocorre mais frequentemente do que a sociedade imagina – essa é uma puta realidade.
Prestar assistência aos idosos é muito mais agradável do que cuidar de adolescente revolucionário ou até mesmo de pessoas adultas que dificultam o trabalho da enfermagem o máximo que podem. A maioria deles colabora com o nosso serviço e compreende que certos procedimentos dolorosos são necessários para a cura, mesmo quando se encontram dispneicos, com impossibilidade de acesso venoso, acamados, sentindo dor e até mesmo aqueles que em algum momento da vida tiveram que amputar algum membro. Obviamente que há exceções, sempre existe um ranzinza que além de não favorecer o nosso auxílio, ainda dificulta nossa vida com ações dramáticas que conduz o observador a crer em maltrato por parte do profissional. Porém, de uma maneira geral, somos recebidos com um enorme sorriso e palavras de compreensão: “Tá tudo bem, pode continuar.”, sendo o melhor momento quando agradecem gentilmente e amparam as nossas mãos em seus colos, acariciando-as. Não existe cena mais recompensadora do que essa. Além do mais, a ausência de algum parente paciente que esteja disponível para dialogar com eles acarreta em desabafos de experiências de vida, muitas vezes sendo bastante útil para nós mesmos, pois podemos redefinir nossas prioridades de acordo com as suas histórias – as quais nos mostram o quanto temos primazia por inutilidades que não acrescentarão em nada no nosso amadurecimento.
Eu tenho plena consciência que ofereço a melhor assistência e atenção possível. Executo carinhosamente as minhas atribuições devido ao amor que sinto pela profissão e pelos idosos, além de cometer o mais célebre pecado: envolvimento emocional com meus pacientes. Mesmo tendo conhecimento do quão abstido esse sentimento deve ser, pra mim é inevitável e, sinceramente, nem busco me esquivar.

PS: Há tempos que tento fotografar um idoso da cabecinha de algodão doce, mas como só tenho oportunidade em situações não-convencionais, aí vai uma foto do meu pai que nem é tão idoso, mas que já tem lindas ruguinhas.

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